Bradley Manning está tendo que lutar por sua sanidade.
Por Alexander Cockburn
Nos últimos sete meses, aos 22 anos de idade o soldado do Exército dos EUA Bradley Manning, primeiro em uma prisão militar no Kuwait, agora numa prisão em Quantico, Virgínia, permanece por de 23 a 24 horas em confinamento solitário em sua cela, sob assédio constante. Se os seus olhos se fecham às cinco horas – às oito horas ele é sacudido e acordado. Durante o dia claro ele tem que responder “sim” aos guardas a cada cinco minutos. Durante uma hora por dia, ele é levado para outra cela onde ele anda sobre figuras em formato de oito. Se ele parar, ele é levado de volta à sua outra cela (de confinamento).
Manning é acusado de fornecer documentos para Julian Assange no Wikileaks. Ele não foi julgado nem condenado. Visitantes relataram que Manning está indo ladeira abaixo, tanto mental como fisicamente. Os esforços de seu advogado para melhorar sua condição têm sido recusados pelo Exército.
As acusações de que seu tratamento equivale à tortura são rebatidas por conservadores proeminentes indignados que clamam para que ele seja executado sumariamente. Depois que o colunista Glenn Greenwald ter divulgado o tratamento dispensado a Manning, em meados de dezembro, houve uma comoção moderada. A comissão da ONU sobre a tortura está investigando o caso.
Enquanto isso, Manning passa meses, senão anos, no mesmo regime. Será que ele vai acabar como acusado de Chicago Jose Padilla, quatro anos em total isolamento e silêncio antes de seu julgamento em 2007? Padilla foi condenado como um terrorista aos 17 anos, depois do seu advogado ter sido informado pelos funcionários da prisão que ele havia se tornado dócil e inativo ao ponto de parecer “parte da mobília”.
Já no início de 2011, a tortura está solidamente instalada no arsenal repressívo americano. Não nas sombras onde costumava esconder-se, mas de frente, de modo central, vigorosamente aplaudida por políticos proeminentes. A reação para escoar a humilhação pela cultura da liberdade, na medida em que, antes do Natal viajantes americanos começaram a se rebelar as revistas invasivas pat-down, conduzidos por equipes de segurança aérea da TSA. Eles se queixaram de serem apalpados em torno de seios e virilhas.
Secretamente, sempre houve muita tortura, assim como houve assassinatos. Após a Segunda Guerra Mundial, o antecessor da CIA, OSS, importou especialistas nazistas em técnicas de interrogatório. Mas isso foi à época de Guerra Fria da concorrência: do Tio Sam, o Bom contra os russos e chineses sujos. O governo dos EUA adotavam medidas desesperadas para abafar as acusações de que seus agentes da CIA ou da USAID praticavam tortura.
Um caso famoso foi o de Dan Mitrione, trabalhando para a Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional, ensinando refinadas técnicas de tortura para habilitar interrogadores brasileiros e uruguaios.
Mitrione acabou seqüestrado pela guerrilha tupamaro e executado, tornando-se objeto do filme Estado de Sítio de Costa Gavras. A CIA montou grande acobertamento de operações para tentar desacreditar as denúncias contra Mitrione, citado como tendo dito uma vez aos seus alunos: “A dor precisa, no lugar preciso, no valor preciso, para o efeito desejado”
A consciência liberal americana começou a fazer a sua acomodação com a tortura em junho de 1977, que foi o mês em que o Sunday Times de Londres publicou uma grande exposição sobre a tortura de palestinos pelas forças armadas de Israel e da agência de segurança Shin Bet. De repente, aliados americanos e de Israel estavam argumentando que certas técnicas – a privação sensorial, posições de stress prolongado enquanto encapuzados, o encarceramento em pequenas “células” ou caixotes, etc – de alguma forma não eram realmente a tortura, ou era moralmente justificável a tortura no âmbito da teoria da “bomba-relógio”.
Adiante, o espetáculo de Alan Dershowitz, professor da Harvard Law School, um defensor supostamente liberal dos direitos civis, recomendando a Israel a noção de “tortura garantida”. Os alvos seriam “submetidos a medidas físicas monitoradas judicialmente concebidos para causar a dor excruciante, sem deixar danos permanentes”. Uma forma de tortura recomendada pelo professor de Harvard, foi “a agulha esterilizada inserida debaixo das unhas”.
Com a Grande Guerra ao Terror, lançado após o ataque ao World Trade Center em 11 de Setembro de 2001, a tortura continuou sua marcha em plena luz do dia, comandada pelo secretário de defesa de George W. Bush, Donald Rumsfeld.
Na Baía de Guantánamo, foi Rumsfeld deu autorização verbal e, posteriormente, aprovação por escrito à tortura de suspeitos, utilizando as técnicas de notório isolamento, privação do sono e da degradação psíquica, o próprio Secretário de Defesa gerenciou as humilhações, alguns delas envolvendo roupas íntimas femininas.
No caso de Abu Ghraib, no Iraque, há novamente um rastro de evidências de que Rumsfeld foi quem autorizou pessoalmente a manutenção de prisioneiros em situação de stress e a exploração de fobias individuais, tais como o medo de cães, a privação do sono e a simulação de afogamento.
Um oficial do exército dos EUA, Janis Karpinski, descreveu a descoberta em Abu Ghraib de um documento em um escritório usados pelos interrogadores. Era um memorando assinado por Rumsfeld, autorizando técnicas como o uso de cães, posições de stress e fome. No papel, de autoria de Rumsfeld, a instrução foi lapidar: “Certifique-se que isso acontecerá!”
No front doméstico, a tortura como um modo drástico de controle social exuberantemente e florido tem sido usada no sistema penitenciário norte-americano, cuja população cresceu como foguete de 1970 para os atuais 2,5 milhões. Informalmente, são utilizados cada vez mais estupro masculino, os cada vez mais sádicos isolamentos e privação sensorial prolongadas – uma condição que leva atualmente cerca de 25.000 prisioneiros à loucura.
Conforme os anos Bush chegaram ao fim, os liberais se atreveram a ter esperança de que a regra da lei de extradição voltasse a ser respeitada e, com isso, o respeito as proibições internacionalmente acordadas sobre a tortura e tratamento de combatentes. Cresceu a esperança de que os torturadores, sem o comando de Bush, enfrentaria acusações formais. O candidato Obama ventilou essa esperança.
Em 21 de janeiro de 1977, em seu primeiro dia no cargo, o presidente Jimmy Carter cumpriu a sua promessa de campanha, a emissão de um perdão para aqueles que evitaram servir na guerra do Vietnã os EUA. Aos que fugiram ou recusaram o alistamento. Se ele tivesse esperado um mês ou dois, com os ânimos amornando ele poderia muito bem ter perdido a coragem.
Em seu segundo dia no cargo, o presidente Barack Obama assinou uma série de ordens executivas para fechar o centro de detenção de Guantánamo dentro de um ano e a proibição dos métodos mais severos de interrogatório e revisão por crimes de guerra militar. Em sua primeira seção conjunta no Congresso, uma semana depois, Obama declarou que: “Eu posso estar aqui esta noite e dizer sem medo nem equívoco que os Estados Unidos da América não torturam Nós podemos firmar esse compromisso aqui esta noite.”.
Poucos dias depois destas falsas garantias, os advogados de Obama do Departamento de Justiça estava informando os juízes dos EUA, em termos explícitos, que o novo governo não estaria alterando as políticas de Bush sobre o estatuto jurídico de extradição dos supostos combatentes inimigos.
Advogados do Departamento de Justiça de Obama sublinharam aos juízes, assim como diziam os advogados de Bush, que prisioneiros apreendidos pelo governo dos EUA e transportados para prisões secretas para serem torturados não terão amparo nos tribunais dos EUA e que o regime Obama não tinha obrigações legais para defender ou mesmo admitir suas defesas em qualquer tribunal dos EUA. Aos “combatentes inimigos” não seria concedida proteção jurídica internacional, seja no campo de batalha no Afeganistão ou, ainda que raptados pelas forças dos EUA, em qualquer lugar do mundo.
O sistema de tortura está florescendo, e as fronteiras do império norte-americano são marcadas por centros de tortura no exterior, tais como Bagram. Há ainda detidos em Guantamo – 174 de novembro do ano passado para cá. Eles serão supostamente destinados a uma Supermax em Illinois. Manning luta pela sua sanidade em Quantico.
Aviso a David Cameron (Primeiro Ministro do Reino Unido): resista a todos os pedidos de extradição do governo dos EUA, alegando que os acusados de terrorismo não poderão esperar outra coisa, senão a tortura e um julgamento ilegal.
Um comentário:
A absorção não necessariamente alude a um “complô corporativo” – por exemplo, o negócio fechado pelo WikiLeaks com cinco grandes jornais, seletivamente cedendo o direito exclusivo à publicação dos documentos. Mais importante ainda é a formação conspirativa do WikiLeaks: um grupo secreto do “bem” ataca outro grupo secreto do “mal”, o segundo sendo o Departamento de Estados dos Estados Unidos. De acordo com esta maneira de enxergar as coisas, os inimigos são os diplomatas estadunidenses que ocultam a verdade, manipulam o público e humilham seus aliados na implacável busca por alcançar seus próprios interesses. O grupo do mal, no topo, detém o “poder”, e isso não é concebido como algo que afeta todo o corpo social, determinando o modo como trabalhamos, pensamos e consumimos. O WikiLeaks sentiu por si mesmo o gosto desta “dispersão” de poder quando a Mastercard, Visa, PayPal e o Banco da América uniram forças com o Estado para sabotá-lo. O preço pago por intrometer-se em questões conspirativas é ser tratado de acordo com a lógica destas questões (Não é surpreendente que existam muitas teorias acerca de quem está, de fato, por trás do WikiLeaks – a CIA?).
slavoj zizek em artigo intitulado "Boas manieras na era do Wikileaks"
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