segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Por que uma greve estudantil?


            Parece estranho em um primeiro momento se deparar com a ideia de uma greve estudantil. Muitas pessoas estranham, dizem que é ilegal, que é impossível, que não vai dar em nada e assim por diante. Muitos se posicionam contrários já num primeiro momento, por julgarem ser a greve coisa de gente “que não tem o que fazer”, e que os estudantes devem fazer de tudo para ter aula, a despeito de toda situação da luta dos servidores e suas consequências para a universidade.
            Pois bem, na atual conjuntura da nossa universidade, vários elementos se cruzam nesses últimos meses de conflitos, de greves, ocupações, paralisações, negociações e etc. O primeiro deles e com certeza muito determinante historicamente é a atual situação da universidade pública brasileira enquanto instituição social, seja na sua função educadora, ou na sua função científica.           Desde a década de 90 essa instituição vem sendo, como um serviço público, atacada de diversas formas. O corte do financiamento e a falta de crescimento “sustentável” (expansão de vagas concomitante à expansão do corpo docente, da estrutura etc.), são alguns exemplos de iniciativas que tendem a redefinir o local da universidade enquanto instituição pública de ensino, na sociedade.
            A tendência que se mostra cada vez mais é a precarização da estrutura do ensino público, em todas as suas esferas (ensino, pesquisa e extensão), paralela ao crescimento exponencial da oferta privada, onde o cidadão tem que pagar para ter acesso ao serviço. Isso fica claro se observamos o crescimento do número de universidades privadas (vendedoras de diplomas) que pipocam por todo o país. A verdade é que, a educação, é um grande campo para a expansão da iniciativa privada, o que faz com que o governo, atendendo aos interesses das empresas, incentive a criação de universidades privadas (com isenção de impostos, facilitação nos exames de qualidade e etc.) ao mesmo tempo em que retira seus olhares da universidade pública (cortando financiamento, não assegurando contratação de técnicos e docentes). Para fazer um paralelo, o exemplo mais claro de uma outra área dos serviços públicos que sofre com o mesmo processo é a saúde. Hoje em dia para se ter acesso a uma estrutura de saúde eficaz e de qualidade, o cidadão deve ter um plano de saúde privado (UNIMED, PREVER, SANTA CASA, etc), pois, do contrário, ele estará fadado a aguardar meses na fila do SUS para uma cirurgia ou até mesmo para um atendimento especializado.
            Mas é óbvio que essa tendência é algo que se mostra no nível mais geral da situação da universidade. Quando falamos em precarização, privatização, corte de verbas, estamos justamente nos referindo a essa situação mais geral, que, contudo, se constrói no nosso dia-a-dia. Mas temos mesmo uma dificuldade para identificar isso no nosso cotidiano, afinal, ter um ventilador quebrado na sala de aula, não é sinônimo de precarização, às vezes é só um ventilador quebrado! No entanto, se olharmos atentos, podemos identificar que certas ações do governo, da reitoria e da administração, apontam não somente para uma precariedade passageira substituível (como o ventilador quebrado), mas sim para precariedades que serão permanentes, e tendem a se tornar parte da condição na qual a universidade e as três categorias, funcionam. Um exemplo disso para os estudantes e para a universidade como um todo são as bolsas-trabalho. Elas são claramente uma precarização da universidade que aponta para a falta de verba para a contratação de funcionários e a sua substituição por estudantes, que ganham pouco e sem direito nenhum. Outro exemplo é a inexistência na UEM de uma Casa dos Estudantes. Isso será determinante para os acadêmicos estudarem na nossa universidade: ter condições de pagar um aluguel caro para morar.
            Quando os servidores e professores entram em greve, quando os alunos ocupam a reitoria, demonstram – e se reflete em suas pautas – que uma série dessas precariedades permanentes estão começando a afetar as condições de trabalho dos primeiros, e de estudo dos segundos. Mas não são somente essas precariedades que dizem respeito aos professores e funcionários que aparecem, em tempos de mobilização. Uma série de questões se somam e colocam às claras todo processo de privatização e sucateamento que a universidade vive.
            Porque quando a gente vive a nossa vida individualmente, é difícil que consigamos enxergar como essas questões estruturais se refletem em nós, e tendemos a ter dificuldades e até mesmo a falhar, vez por outra, e colocarmos em nós mesmos a culpa pelas falhas. Mas não é por acaso que muitos alunos têm que se matar de trabalhar ao mesmo tempo em que fazem seus cursos noturnos. Isso quer dizer que a sociedade e a universidade não dão a estrutura que ele precisa para realizar um curso de qualidade. Consequentemente a qualidade do próprio aprendizado é comprometida na medida em que o indivíduo tem que suprir as carências que a estrutura da universidade pública não proporciona. É nesse sentido, por exemplo, que temos que pagar um curso de inglês mesmo sabendo que dentro da UEM tem uma escola de línguas que poderia possibilitar livre acesso a acadêmicos, professores e funcionários, sendo assim, mantida pela universidade. Mas como faltam verbas para a universidade se manter, por que cada vez mais o governo diminui o dinheiro que manda para a universidade, a administração encontra a saída de cobrar pelos cursos para arrecadar uma verba a mais para a manutenção da universidade, ou seja, cobram taxas (além do ILG, nos cursos de especialização, nas taxas da DAA como a de formatura, etc.).
            A privatização é uma precariedade permanente que cada vez cresce mais dentro da universidade, e ela deriva diretamente da falta de recursos públicos! Cada vez mais surgem pós-graduações pagas, serviços cobrados, taxas e etc. Diante desse quadro, a volta da mensalidade é apenas uma consequência inevitável dos tempos que estão por vir.

A LUTA DOS SERVIDORES E OS ESTUDANTES E DOCENTES

            Frente a essa conjuntura nada favorável é que os servidores hoje se lançaram em uma greve. Apesar de a direção do sindicato claramente fazer isso por negociações salariais, já que nunca demonstrou um grande interesse em compor uma luta efetiva contra a precarização da universidade, não podemos afirmar que a grande massa dos servidores não visa todos esses problemas quando adere essa greve de maneira tão comprometida. É óbvio que o estopim para isso foi a questão salarial, mas todo um processo de mobilização e greve não se constrói em um dia, e não se constrói em torno de uma só bandeira. Uma série de fatores que são frutos cada vez maiores das precariedades permanentes de nossa universidade agem todo dia na condição de servidores, professores e estudantes, empurrando-os para o descontentamento e para a luta. Essa se desencadeia em torno de uma questão, como na ocupação da reitoria ano passado foi a questão do R.U., mas uma vez despontada a mobilização, várias das questões candentes são levantadas e estruturam uma pauta muito maior, a pauta da universidade pública como um todo.
            Não tem como afirmar que os estudantes em si nada têm a ver com essa luta. Ela nos afeta diretamente todos os dias! Temos dentro dessa luta geral uma série de particularidades que dizem respeito a nós. Abster-nos desse processo é se abster de, de alguma forma, trabalhar para reverter o quadro da precarização, e isso em si já é um posicionamento político contra a universidade pública, não importa como ele seja justificado.
            Uma série de coisas hoje em dia faz com que a condição do estudante no dia-a-dia da universidade seja precária. É no sentido de identificar essas precariedades e denunciá-las que deve se dar a nossa ação. Existe hoje a necessidade grande de que não deixemos se prolongar mais a licitação da 2ª fase da Casa do Estudante (CEU). Bem como de não aceitarmos mais que alguns cursos tenham aulas em 3 ou 4 lugares diferentes por causa da falta de estrutura.       De exigirmos mais armários na BCE, laboratórios e salas de aula decentes, tanto no campus sede quanto das extensões. Precisamos que a universidade e o governo, se proponham a pensar e instituir, uma política de assistência estudantil que realmente apóie o estudante em suas carências básicas, para que possamos criar uma condição na qual o estudante realmente pode vir aqui só para estudar.
            Nesse sentido a greve estudantil significa menos uma paralisação que exige direitos, respaldada por leis trabalhistas etc. O que reivindicamos enquanto estudantes quando falamos em Greve Estudantil não é o direito “formal” à greve. Reivindicamos o direito real de poder nos unir e reivindicar as nossas necessidades dentro da universidade. Para que isso seja efetivo, devemos todos nos unir e denunciar cada vez mais as precariedades que enxergamos no cotidiano de cada curso.
            O apoio a greve dos funcionários, portanto, é importante não só para fortalecer a luta que eles se propuseram a travar com o governo do Estado, mas para expandir essa luta aos problemas estruturais dos estudantes e da universidade como um todo. Na medida em que nos abstemos, a tendência é que ignoremos aquelas questões que dizem respeito a nós estudantes, e que enfraqueçamos a greve dos servidores na medida em que ela não consegue atingir o seu objetivo de protesto: parar a universidade. É nesse ponto que hoje a universidade se divide entre os que apoiam a greve e param totalmente suas atividades, e aqueles que não reconhecem a greve e continuam a trabalhar ou fazer suas coisas normalmente. Não parar, hoje, significa enfraquecer a greve e enfraquecer a luta.
            A determinação de alguns professores e alunos em continuar mantendo as atividades é compreensível do ponto de vista individual. Mas isso leva a que, mais e mais esses professores e alunos tenham que se submeter a condições inóspitas para o ensino, tentando driblar essa enorme falta que os servidores fazem na nossa universidade.  É nesse sentido que alunos estão tendo aulas na beira da piscina, que cursos inteiros estão colocando as meninas para fazer limpeza dos blocos, que professores insistentemente estão dando faltas aos alunos que não comparecem às aulas, mesmo sem sala de aula e estrutura adequada para isso e etc. Os alunos não devem se submeter a essas condições. Em vários cursos, professores e estudantes declararam adesão à greve em razão dessa situação precária, de incerteza e de mal-estar. Não faz sentido não aproveitarmos essa condição de greve para aprofundar essa luta.
            Precisamos nos reunir nos nossos espaços de discussão: CAs, Assembleias, Reuniões e etc., e aprofundar o trabalho em torno da construção de uma grande pauta a ser exigida do governo do Estado, que é o principal agente desse processo de precarização na nossa universidade. E temos que, definitivamente, acabar com os conflitos entre as categorias e sindicatos em torno dessa condição de greve. Estamos todos no mesmo barco, um barco cheio de buracos e que, se não fizermos nada, vai aos poucos terminar de afundar. Esse barco é a universidade pública

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